Quem acredita que já leu tudo sobre Graciliano Ramos, ou escrito por ele, ficará surpreso em saber que está enganado.
É que uma coleção de 14 cartas manuscritas, nunca antes divulgada por ninguém, foi descoberta, e encaminhada ao governador Renan Filho, que imediatamente a destinou para o acervo do Arquivo Público de Alagoas (APA), na última segunda-feira, 28 de março, para futuramente se tornar um livro.
O tesouro com textos originais e inéditos de um dos maiores gênios da literatura brasileira foi doado pelo jornalista André Abreu Motta Lima, sobrinho neto de Joaquim Pinto da Mota Lima, amigo de infância de Graciliano Ramos.
Diante disso, o jornalista, que atualmente vive no Rio de Janeiro, explicou:
“Esse material é um dos lados de uma troca de correspondências entre meu tio avô Joaquim Pinto da Motta Lima Filho e Graciliano Ramos, entre os anos de 1911 a 1930. Eles foram grandes amigos desde crianças, quando viveram em Viçosa, até a idade adulta. Eles eram tão ligados que chegaram a viajar juntos, no mesmo vapor, até o Rio de Janeiro, onde tentariam uma mudança de vida na revisão do Jornal Correio da manhã, e mantiveram contato a vida inteira. As cartas trocadas pelos dois ficaram guardadas por anos com um dos filhos de Joaquim, Sérgio Motta Lima, até chegar em minhas mãos, quando pesquisávamos documentos para compor um livro sobre a nossa família.”
Especialistas sobre o mestre Graça, que já haviam descartado a possibilidade de encontrar novos escritos do autor, certamente ficarão surpresos e encantados com a autenticidade das cartas doadas ao APA. Afinal, elas revelam traços da personalidade e da intimidade do ensaísta alagoano, até então conhecidas por poucos, mas que em breve se tornará acessível a muitos, como descreveu André Motta:
“É um material precioso, que muitas vezes não é possível compreender ou traduzir algumas palavras, mas a assinatura final é inconfundível e o conteúdo incomparável, pois fala de assuntos pessoais como namoro, família e trabalho. Por exemplo, em um trecho de uma das cartas, Graciliano confessa que ‘talvez a sua verdadeira vocação fosse ser padre, porque tinha mais a ver com o espírito dele’, imagine? Tanta riqueza histórica não poderia ficar nas mãos de uma só pessoa, por isso decidimos doar. É muito interessante perceber a mudança na grafia dos textos, que podem significar a tradução do seu estado de espírito ou, simplesmente, os diferentes tipos de caneta bico de pena utilizadas na época.”
Além das cartas de Graciliano Ramos, o jornalista André Motta também cedeu aos cuidados e preservação do APA as folhas originais, manuscritas e datilografadas, do romance Zamor, escrito pelo seu avô Pedro Motta Lima, alagoano de Viçosa, como o irmão Joaquim, no período de 1º de janeiro a 9 de maio de 1936, e publicado em duas edições, que já estão esgotadas e não é possível mais encontrar no mercado.
A superintendente do APA, Wilma Nóbrega, destacou a importância de doações como esta para a memória histórica e cultural do estado e já começa a fazer planos para viabilizar, o quanto antes, o melhor jeito de divulgar e disponibilizar o material no acervo:
“Só temos a agradecer por esse material tão especial. Sem dúvida são arquivos fantásticos, que vamos preservar e providenciar o devido acondicionamento. Vamos em busca de colaboradores capacitados que possam ler e transcrever as cartas, para torná-las totalmente legíveis. O primeiro passo será digitalizar, depois organizar tudo, para facilitar o acesso do grupo de trabalho que terá o privilégio de manipular um material inédito do grande Graciliano Ramos. Que essa doação sirva de exemplo para outros colecionadores e familiares que têm acervos de intelectuais alagoanos, que possam também ter essa iniciativa de doar para a APA e contribuir com novos estudos.”