Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi eleito neste domingo (30) presidente do Brasil pela terceira vez, após vencer no segundo turno Jair Bolsonaro (PL) por uma vantagem estreita, em uma apuração eletrizante do início ao fim.
Com 98,8% das urnas apuradas, Lula obteve 50,83% dos votos e Bolsonaro, 49,17% – uma margem extremamente apertada neste país de 215 milhões de habitantes e 156 milhões de eleitores, segundo dados oficiais.
Depois de deixar a Presidência, em 2010, com 87% de aprovação (2010), o petista viu sua sucessora, Dilma Rousseff (PT), sofrer um processo de impeachment (2016); ficou preso por 580 dias por corrupção passiva e lavagem de dinheiro (2018-2019); teve as condenações anuladas por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF); e, 1.087 dias depois de deixar a carceragem da Polícia Federal em Curitiba, torna-se o primeiro brasileiro da História a ser eleito três vezes para o principal cargo do Executivo.
No momento da confirmação, neste domingo, o petista já ultrapassava a barreira de 59 milhões de votos — superando os 46,6 milhões (48,6%), de 2006, sua melhor marca nesta fase das eleições até então. O petista também impôs a Bolsonaro a inédita derrota de um presidente que concorria à reeleição no cargo. O atual ocupante do Planalto não conseguiu superar a alta rejeição (sempre em torno de 50% ao longo da campanha).
A conquista do fundador e principal líder do PT vem após uma campanha que gerou expectativas frustradas de se resolver já no primeiro turno. A disputa se acirrou com um crescimento surpreendente de Bolsonaro às vésperas da primeira rodada, no dia 2 de outubro. Impulsionado pela injeção de bilhões de reais na economia com medidas como o aumento do Auxílio Brasil, o Auxílio Gás e a antecipação do 13º dos aposentados, o atual presidente chegou ao segundo turno com fôlego para encostar no petista. Mas não foi suficiente. O uso da máquina e as estratégias de campanha do candidato do PL, como o apelo religioso e o discurso anticorrupção para potencializar o antipetismo, não foram suficientes para superar o favoritismo de Lula. Ao longo do último mês, a diferença entre os dois se manteve estável no patamar de seis a oito pontos a favor do ex-presidente, de acordo com as pesquisas do Ipec.
Foi a sexta vez que Lula concorreu à Presidência, igualando agora o número de triunfos e derrotas. Em 1989, na primeira eleição direta após a redemocratização, o ex-metalúrgico foi derrotado por Fernando Collor (PRN) no segundo turno por uma diferença de pouco mais de 4 milhões de votos (53% a 47%).
Nos dois pleitos seguintes — primeiro com Aloizio Mercadante (hoje seu coordenador de plano de governo) e depois com Leonel Brizola (PDT) como vice —, foi superado por Fernando Henrique em primeiro turno.
A primeira vitória veio em 2002, superando José Serra (PSDB), seguida de reeleição contra o então tucano Geraldo Alckmin.
A partir de 1º de janeiro de 2023, Lula assume o terceiro mandato com o desafio de reestruturar uma economia, com inflação alta e o desafio de reequilibrar contas públicas sem abrir mão de benefícios sociais. Embora possa concorrer à reeleição em 2024, o petista já indicou que não pretende buscar o quarto mandato, o que pode ser um aceno para a chamada terceira via.
Para chegar ao terceiro êxito nas urnas, Lula apostou em explorar o legado social e econômico de seus dois mandatos (2003-2010) e buscou ampliar o arco de alianças em direção ao centro. O primeiro passo foi escalar o ex-governador Geraldo Alckmin (PSB) como seu vice. Nas últimas semanas, foi construindo um cenário favorável a mais adesões, como declarações de apoio de políticos do centro, de economistas de visão liberal e do empresariado — muitos críticos da gestão petista.
Um dos nomes considerados cruciais pelos petistas para a vitória no segundo turno foi o da senadora Simone Tebet (MDB). Após ficar em terceiro lugar na disputa presidencial, ela mergulhou de cabeça na campanha de Lula no segundo turno, participando de passeatas, comícios e eventos eleitorais ao lado do ex-presidente.
Ainda no campo político, o petista conseguiu o apoio — ainda que “envergonhado” — de Ciro Gomes (PDT), que acompanhou a decisão de seu partido de defender o voto no postulante do PT. No segundo turno, Lula conseguiu ainda a declaração de voto deu seu histórico adversário tucano, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), consolidando o caráter de frente ampla que buscou para sua candidatura.
Ao longo da campanha, segundo a série de pesquisas do Ipec, o candidato do PT manteve vantagem no estado que tem a mística de espelhar o resultado nacional: Minas Gerais. Desde a redemocratização, nunca um presidente foi eleito sem ganhar em Minas.
Apesar do cenário desfavorável nos outros principais colégios eleitorais do Sudeste, São Paulo e Rio de Janeiro, e nos estados do Sul, Lula manteve ampla maioria no Nordeste, onde historicamente vai bem.
O petista também sustentou bom desempenho entre as mulheres — estrato em que a alta rejeição de Bolsonaro foi agravada por atitudes e declarações machistas do próprio candidato do PL —, e entre os eleitores com renda familiar de até 2 salários mínimos, mais atingidos pelo desemprego e pela inflação. A promessa de retomar aumentos reais do piso salarial foi uma de suas principais bandeiras.
Lula também conseguiu a confiança da maior parte do eleitorado que recebe benefícios do governo federal, no qual Bolsonaro buscou maior adesão com a ampliação do cadastro e o aumento do Auxílio Brasil para R$ 600 driblando regras fiscais e eleitorais com a ajuda do Congresso.
Para tentar neutralizar a preferência dos evangélicos por Bolsonaro, Lula precisou lançar mão de estratégias, como eventos com pastores de diferentes denominações, uma carta de intenções, materiais de campanha customizados e até grupos de WhatsApp voltados para os fiéis. Também contou com o apoio de nomes da política ligados ao segmento, como os da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), a vereadora de Goiânia Aava Santiago (PSDB), a deputada Benedita da Silva (PT-RJ) e a ex-ministra Marina Silva (Rede).
Eleita deputada por São Paulo, Marina Silva, por sinal, foi um dos quadros mais importantes que se reaproximaram de Lula. A ex-ministra declarou apoio no início de setembro após entregar a ele suas propostas por “Um Brasil Sustentável”. Ao todo, oito ex-candidatos à Presidência se reuniram ao redor da candidatura do petista, entre eles, Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central e ministro da Fazenda no governo Michel Temer.
A chegada de Meirelles, criador e defensor do teto de gastos — ponto de divergência com Lula —, foi uma mensagem importante ao mercado financeiro e ao empresariado. Chegou a impulsionar alta da Bolsa. Além disso, acenou aos eleitores mais ao centro e aos indecisos.
Em seguida, já no segundo turno, veio o apoio de economistas de viés liberal ligados ao PSDB, que participaram da elaboração e consolidação do Plano Real: Pedro Malan, Edmar Bacha, Pérsio Arida, André Lara Resende e Arminio Fraga.
Ainda na seara da elite econômica, Lula teve encontro com cerca de 100 executivos, promovido pelo Grupo Esfera, considerado por petistas um importante aceno do então candidato com “compromissos mais ao centro” no terceiro mandato. Para os empresários, ficou o recado que irá dialogar com o setor produtivo, sem mágoas.
Lula também recebeu apoios de ex-ministros do STF, como Celso de Mello, Carlos Velloso, Nelson Jobim, Carlos Ayres Brito e Joaquim Barbosa, algoz do PT como relator da ação penal do mensalão. O apoio de Barbosa foi costurado por Geraldo Alckmin, que teve na campanha a função de quebrar a rejeição a Lula no agronegócio e em outros setores do PIB que rejeitavam o antigo adversário do tucano.
O debate sobre corrupção, que permeou os ataques e cobranças destinados a Lula ao longo da campanha, deve seguir na pauta da oposição no terceiro mandato. O petista volta ao poder menos de três anos depois de ter ficado 19 meses preso, entre abril de 2018 a novembro de 2019. O ex-torneiro mecânico já havia sido preso 31 dias em 1980, durante a ditadura militar, por liderar uma greve de trabalhadores quando era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema.
Lula foi preso em 7 de abril de 2018 depois de o ex-juiz Sergio Moro dar ordem de prisão no processo do triplex do Guarujá (SP). Moro e juízes de instâncias superiores concordaram com a acusação do Ministério Público de que Lula teria recebido o imóvel como propina da empreiteira OAS. Foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão, pena depois reduzida a 8 anos e 10 meses.
Lula foi substituído pelo vice, Fernando Haddad, na corrida presidencial de 2018, vencida por Jair Bolsonaro. O ex-presidente foi solto em 8 de novembro de 2019 (580 dias depois) após mudança de entendimento do STF a respeito de prisão com condenação em segunda instância, antes de esgotar outros recursos.
Moro — que deixaria a magistratura para ser ministro da Justiça de Bolsonaro —, foi considerado parcial no julgamento de Lula pelo STF, que também reconheceu o argumento da defesa de Lula de que a vara federal de Curitiba não tinha jurisdição para julgá-lo. Com isso, os processos acabaram anulados.
Dois meses antes de ser preso, em fevereiro de 2017, Lula perdeu a mulher, Marisa Letícia, com quem foi casado por mais de quatro décadas (desde 1974), em decorrência de um AVC hemorrágico. Em 2018, Lula conheceu a socióloga Rosângela da Silva, a Janja, que se tornaria sua terceira mulher.
Eles se casaram em maio deste ano. Janja teve papel relevante na campanha, costurando apoio de artistas, além de participar de atos ao lado do marido, e deve influenciar o novo governo. Ela já declarou que vê o posto de primeira-dama como antiquado e brincou que preferirá ser a “primeira-companheira”.
Entre os inúmeros desafios que Lula terá ao assumir a Presidência da República pela terceira vez em janeiro está a manutenção da frente ampla de apoios que ele conseguiu arregimentar ao londo da campanha fora do PT dos tradicionais aliados de esquerda.
Esse arco vai do líder sem teto Guilherme Boulos (PSOL) ao ex-presidente do Banco Central e ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles (União Brasil), passando pela senadora Simone Tebet (MDB), o PDT de Ciro Gomes e o deputado André Janones (Avante-MG), que se tornou o principal estrategista digital da campanha de Lula.
Apesar de já ter prometido fazer um governo de conciliação nacional, para além dos quadros do PT, Lula será obrigado a lidar com interesses e visões de mundo divergentes em vários aspectos. Essas diferenças são mais evidentes no campo econômico.
Meirelles foi o criador do teto de gastos no governo Michel Temer e defende uma política de ajuste das contas públicas na mesma linha da preconizada pelos economistas ligados ao PSDB e à consolidação ao Plano Real que declararam voto em Lula em nome da defesa das instituições democráticas, como Pedro Malan, Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pérsio Arida.
Do outro lado do espectro estão partidos como o PSOL e o próprio PT, que se opõem não só a ao teto de gastos como reivindicam aumento dos gastos públicos com investimentos e programas sociais. Ainda cobram uma revisão da reforma trabalhista, tema que tem sido exemplar em relação ao esforço em curso na campanha para administrar antagonismo.
Uma primeira versão das diretrizes do programa de governo do petista falava em revogar a reforma. Diante de posições contrárias, o texto passou a prever a revogação apenas dos “pontos regressivos”.
Há ainda antagonismo entre ambientalistas e ruralistas que participaram da campanha de Lula. A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva tem críticas ao deputado Neri Geller (PP-MT), que foi candidato ao Senado com apoio de Lula e se tornou um dos seus principais articuladores do petista junto ao agronegócio. Marina já disse que Geller articula na Câmara a aprovação de projetos de destruição, como o substitutivo da nova Lei do Licenciamento Ambiental.